Molho para pé e creme de pimenta

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Ela arrumava o cabelo com grampos, amarrava o lenço á moda portuguesa. Tinha bolinhas vermelhas  e brancas já desbotadas. Ele completava as palavras-cruzadas.

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Ela continuava acentuando idéia e pára. Era sua revolta contra o sistema...ele plantava bananeira depois que chegava do trabalho, até sentir que sua circulação cerebral havia voltado.

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Ele comia pipoca com o molho de pimenta que ela preparava tão bem na panela de ferro. Ela o esperava sentada com seu salto alto 30. Ela falava o nome de todos com quem já tinha ido para cama quando dormia. Ainda bem que não eram muitos nomes.

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Ele se esquecera um dia do aniversário de namoro. Ela esqueceu um dia que tinha namorado.  Eles se esqueceram de pagar a conta da luz. A luz não fez diferença nenhuma.
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“Está tudo bem” ela disse. Ele tentou se explicar. “Eu já estava sozinha antes”. Isso era lógico. Sempre estávamos sozinhos antes. E depois também.

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Quando era moça andava uma hora para chegar ao trabalho, e voltava de noite sozinha cantarolando os sucesso hollywoodianos. Ele comprou filmes do Wood Allen por metade do preço e foi roubado pelo seu amigo da repartição que pensou que aquilo era o novo programa para formatar computadores pela metade do preço. Depois o amigo ficou com vergonha e medo de devolvê-los e achou melhor jogar aquilo no lixo.

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Ele saiu um dia sem calça.  Apenas usava sua camiseta social, ceroulas(gosto de imaginá-las de cetim e vermelho quase vinho), meias compridas. Foi até o baile. “Zé as calças!” olhou para baixo “Cacildas!”. Casou-se velho.

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Ela gostava de andar, e um dia andou tanto que chegou ao fim do mundo. Ai deu meia volta e volto para seu ninho. Na volta encontrou um homem que procurava suas calças. Se casaram e o amor durou até o fim do disco, riscado.

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As lágrimas escorreram e caíram na página do livro. 142. Ops. Já tinha lido aquela página.  Entrou por um banheiro saiu pelo outro, quem quiser que  de descarga. Ela sempre se esquecia.

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Acordava, arrumava a cama, fazia o café, acordava os filhos, alimentava, tranceava, amarrava o sapatos, escovava os dentes, escovava a pia, limpava o chão, trabalhava, lavava, lustrava, cozinhava. Comia, limpava, passava, corria, se atrasava. Brigava, chegava em casa e todos tinham que mostrar as lições, jantavam. Tomava banho, arrumava, punha as crianças para dormir. E depois, depois, com os pés cansados de tanto ava, avar...sentava no sofá pegava o creme para os pés. Não tinha ninguém que massageasse seus pés de gata borralheira. Acabava adormecendo vendo a novela, sem passar o creme. E quando acordava estava toda lambuzada no rosto e nos pés de creme,e as crianças riam na sala.

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